Igreja e Eleições: 9 perguntas e respostas
Em tempos eleitorais reacende a discussão sobre o relacionamento das organizações religiosas com o processo eleitoral, mais precisamente acerca dos limites jurídicos da atuação de tais entidades na propaganda eleitoral e no apoio a candidatos.
Assim, nesse breve texto, pretendo demonstrar o que é vedado e permitido legalmente, à luz da legislação eleitoral e do entendimento firmado pelo TSE.
Importante destacar que alguns pontos aqui abordados representam minha convicção pessoal sobre o tema, fazendo uso de legítima hermenêutica legal, mesmo que não coadune em alguns aspectos com a interpretação dada por outros operadores do Direito. Também devo ressaltar que ao dizer o que a igreja pode fazer em termos legais, não estou com isso assumindo que tal ação seja a melhor em termos éticos e teológicos. A presente avaliação se restringe ao campo jurídico.
1. É permitido fazer propaganda eleitoral dentro do templo religioso?
Não. Esta é uma das vedações mais evidentes na legislação eleitoral. O art. 37, caput, da Lei n. 9504/97, veda a veiculação de propaganda de qualquer natureza nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum. Segundo o §4o do referido artigo, bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim definidos pelo Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que de propriedade privada.
Entende-se por propaganda eleitoral aquela que leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, a ação política que se pretende desenvolver ou as razões que façam inferir ser o beneficiário é o mais apto para o exercício da função pública.
É relevante observar que a vedação de propaganda nos templos não se deve à natureza da atividade realizada nestes ambientes, como supõem alguns; como se a proibição se fundamentasse na atividade espiritual das organizações religiosas. A vedação simplesmente ocorre porque o templo se equipara, para fins eleitorais, a bem de uso comum, acessível por qualquer pessoa da população.
A intenção da lei não é afastar o elemento religioso do debate político, e não se fundamenta muito menos no tão propalado e mal compreendido princípio da laicidade. A intenção do legislador é afastar a propaganda nos locais que possam ser frequentados por uma grande quantidade de pessoas, de modo a desequilibrar a disputa do pleito.
2. É permitido fazer propaganda eleitoral nas imediações do templo?
Trata-se de questão controversa, cuja resposta vai depender das circunstâncias do episódio.
Recentemente, o TRE-SP decidiu que é proibida a influência religiosa para fins eleitorais, sendo indiferente o local em que a propaganda política ocorre. Aquela corte concluiu que o político foi auxiliado por um pastor com propaganda distribuída nas redondezas da igreja, às vésperas da eleição. O pastor teria anunciado, durante o culto, que ao final entregaria aos fiéis presentes uma carta. Na mensagem, o líder religioso pedia ajuda dos congregados para “escolher o nosso representante para o Poder Legislativo” e sugeria que cada fiel conseguisse a colaboração de mais três pessoas que não são membros da igreja.
De acordo com o relator: “É indiferente o local exato em que foram entregues os materiais de propaganda, visto que as condutas ocorreram em seguida ao anúncio feito durante o culto, revelando o uso da influência religiosa para fins eleitorais”. “A conduta imputada ao recorrente, de conclamar os fiéis a votar valendo-se da influência que possui na qualidade de líder religioso, inclusive invocando o nome de Deus, feriu a igualdade entre os candidatos, de modo a afetar a normalidade do pleito e demonstrar a gravidade apta a ensejar a cassação e a inelegibilidade”, concluiu o presidente do TRE-SP.
O julgamento do TRE-SP equivocou-se ao fundamentar a condenação na “influência religiosa para fins eleitorais”, bem ainda ao reconhecer o abuso de poder no caso. Isso porque, como observado anteriormente, ao proibir a propaganda em templos a legislação esta a se preocupar com o local e não com a natureza do discurso, seja ele religioso ou não.
Da análise da legislação é possível afirmar a proibição da propaganda eleitoral nos limites do templo, o que engloba até mesmo o seu pátio. Tal vedação, também, atinge a propaganda eleitoral realizada fora do templo, logo após anúncio e no contexto do evento religioso. Nesse caso, há um liame entre o anúncio feito dentro do templo, onde a propaganda é proibida, e o ambiente externo – via pública, local em que, em regra, não há vedação da propaganda eleitoral. Todavia, tal conduta deve ser avaliada sob a ótica da propaganda irregular, e não sob a perspectiva de abuso de poder, visto acarretarem consequências distintas.
Situação diferente ocorre se a propaganda eleitoral acontece numa rua em frente ao templo religioso, sem qualquer anúncio ou vínculo com a cerimônia. Nesse caso, não existe qualquer dispositivo legal que proíba tal prática. Isso vale para o templo religioso, mas também para qualquer outro local de acesso ao público (cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios etc).
3. A igreja pode realizar eventos para a conscientização política de seus membros?
Sem qualquer resquício de dúvidas, as organizações religiosas podem realizar palestras, seminários ou outro tipo de reunião (inclusive no templo) com o propósito de proporcionar conscientização política às pessoas em geral e aos seus membros em particular, desde que não configure propaganda eleitoral. Podem defender, com base na liberdade religiosa (art. 5º, VI, CF), liberdade de expressão e de pensamento (art. 5º, IV, CF) certos valores e princípios morais necessários na ação política, assim como falar sobre os perfis que entendem adequados e inadequados para a ocupação de cargos públicos, à luz de suas convicções morais e religiosas.
4. Uma organização religiosa pode realizar evento fechado para tratar de assuntos políticos?
Questão controversa. Meu entendimento é no sentido de que a vedação contida no art. 37, caput, da Lei n. 9504/97, se aplica no caso em que há acesso à população em geral. Essa é a interpretação teleológica da norma. Se a organização religiosa realiza reunião de participação restrita, a portas fechadas, somente com os seus ministros, por exemplo, para tratar de assuntos políticos, não há falar-se em propaganda irregular, porquanto descaracterizada a sua condição de equiparação a bem de uso comum.
Nessa hipótese, a igreja preserva a sua natureza jurídica de bem particular. Até porque, “a aplicação da regra que estende a natureza de bem de uso comum aos bens particulares deve ser vista com reservas, e aplicada em casos em que há demonstração cabal de livre acesso à população que justifique a possibilidade de a propaganda ali afixada gerar desequilíbrio no pleito” (TRE-PR, RE 6228, 2008).
5. Candidatos podem ser apresentados em culto religioso?
Em regra, não há qualquer vedação na apresentação de um candidato que comparece à cerimônia religiosa. Afinal, os candidatos a cargos políticos não estão condenados ao afastamento dos eventos públicos. Porém, tal apresentação não pode conter propaganda eleitoral, ainda que implícita, por meio de exaltação pessoal do candidato.
Conforme decidiu o TSE: “O candidato que presencia atos tidos como abusivos e deixa a posição de mero expectador para, assumindo os riscos inerentes, participar diretamente do evento e potencializar a exposição da sua imagem não pode ser considerado mero beneficiário. O seu agir, comparecendo no palco em pé e ao lado do orador, que o elogia e o aponta como o melhor representante do povo, caracteriza-o como partícipe e responsável pelos atos que buscam a difusão da sua imagem em relevo direto e maior do que o que seria atingido pela simples referência à sua pessoa ou à sua presença na plateia (ou em outro local)”.
6. A igreja pode financiar candidato a cargo eletivo?
Definitivamente, não! É vedado a qualquer organização religiosa a doação em dinheiro ou estimável em dinheiro para candidato. Tal proibição encontrava-se prevista no art. 24, inciso VIII, da Lei n. 9.504/97, dispositivo este que impedia ao partido e ao candidato receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de entidades beneficentes e religiosas.
Atualmente, tal dispositivo perdeu o seu sentido, podendo ser considerada como tacitamente revogada após o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da ADI 4.650, que declarou inconstitucional em parte o previsto nos artigos 81 da Lei 9.504/97 e 39 da Lei no 9.096/95, ao proibir a doação de pessoas jurídicas para partidos políticos e campanhas eleitorais.
Ou seja, a igreja não pode financiar candidatos ou partidos políticos por se tratar de pessoa jurídica. A vedação engloba, como visto, tanto a doação em dinheiro, como estimável em dinheiro. Isto é, a organização religiosa não pode disponibilizar pessoas, serviços e estrutura em prol do candidato. Tal conduta pode configurar abuso do poder econômico.
7. A igreja pode declarar apoio a determinado candidato?
Evidentemente, a legislação não veda que organizações religiosas declarem apoio a pretendentes a cargos eletivos. Não havendo configuração de propaganda no templo ou doação a candidatos e partidos, é possível que uma dada confissão religiosa possa declarar apoio a este ou aquele candidato.
8. Ministros religiosos, caso sejam candidatos, podem continuar a pregar em suas igrejas?
Ministros religiosos (pastores, padres, sacerdotes etc) não estão obrigados a se afastarem de suas funções caso sejam candidatos. Não estão eles sujeitos à desincompatibilização nos moldes de outras profissões, a exemplo de servidores públicos. Sendo assim, podem manter suas atividades religiosas durante a campanha, com a ressalva da proibição de pedido de votos e propaganda eleitoral no templo, mesmo que dissimulada.
9. É legitima a influência da religião na política?
Desde que observados os limites legais, a religião, dentro de um Estado Democrático de Direito, tem plena legitimidade de influir nas discussões políticas e nos temas de natureza pública. Em termos políticos, as organizações religiosas assumem a posição de “grupos de interesse”, capazes de efetuar pressão e defender temas alinhados à sua agenda moral.
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