Polícia

Caso Mariana Ferrer: ataques a blogueira durante julgamento sobre estupro provocam indignação

O tratamento recebido por uma jovem durante o julgamento do homem que ela acusou de estupro em Santa Catarina provocou indignação, reação do Conselho Nacional de Justiça e críticas de ministros de tribunais superiores.

A blogueira Mariana Ferrer acusa o empresário André de Camargo Aranha de tê-la estuprado em dezembro de 2018, em um camarim privado, durante uma festa em um beach club em Jurerê Internacional, em Florianópolis. Ela tinha 21 anos e era virgem.

As únicas imagens recuperadas pela polícia mostram Mariana na companhia do empresário. Ela suspeita que tenha sido drogada e que, por isso, não sabe exatamente o que aconteceu. Nas roupas dela, a perícia encontrou sêmen do empresário e sangue dela. O exame toxicológico de Mariana não constatou o consumo de álcool ou drogas.

Em depoimento, André Aranha disse que fez sexo oral. A defesa do empresário diz que ele não estuprou Mariana.

O inquérito policial concluiu que o empresário havia cometido estupro de vulnerável, quando a vítima não tem condições de oferecer resistência. O Ministério Público denunciou o empresário à Justiça.

Durante o processo, o promotor do caso foi transferido para uma outra promotoria e o entendimento do novo promotor foi o de que o empresário não teria como saber que Mariana não estava em condições de dar consentimento à relação sexual, não existindo, assim, o dolo, a intenção de estuprar. Essa conclusão do promotor está sendo chamada de “estupro culposo”. Aranha foi absolvido. 

Na sentença, o juiz Rudson Marcos concluiu que não havia provas suficientes para a condenação – só a palavra da vítima – e que, na dúvida, preferia absolver o réu. A tese de um estupro sem dolo causou espanto, assim como a atuação agressiva do advogado do empresário nas audiências de instrução do processo.

O caso voltou à tona nesta terça-feira (3) depois que o site The Intercept Brasil publicou o vídeo de uma audiência do caso em que o advogado de defesa, Cláudio Gastão da Rosa Filho, exibe fotos sensuais feitas por Mariana Ferrer quando era modelo profissional, definindo-as como “ginecológicas”; ele afirma ainda que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana e, ao vê-la chorar, diz:

– Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo.

É possível ver, no vídeo da audiência, que a jovem reclamou do interrogatório para o juiz.

“Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”, diz ela.

O juiz avisa Mariana que vai parar a gravação – a audiência foi feita por vídeoconferência – para que ela possa tomar água e pede para o advogado manter um “bom nível”.

A defesa de Mariana Ferrer repudiou a sentença do Poder Judiciário catarinense e reforçou que só a vítima pode afirmar se houve ou não consentimento, não o promotor ou o juiz.

A Corregedoria Nacional de Justiça abriu investigação sobre a conduta do juiz Rudson Marcos durante audiência no processo.

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) declarou que manifesta-se em veemente repúdio ao termo “estupro culposo” e que vai acompanhar os desdobramentos dos recursos apresentados pela vítima.

O Ministério disse ainda que acompanha o caso desde 2019 e que já enviou ofícios ao Conselho Nacional de Justiça, ao Conselho Nacional do Ministério público, à OAB e ao Corregedor-Geral do Ministério Público de Santa Catarina.

Em 9 de outubro, a Corregedoria Nacional do Ministério Público instaurou reclamação disciplinar para apurar supostas irregularidades da atuação do membro do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. A reclamação foi instaurada com base em representação feita pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Reações

O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes se manifestou sobre o caso em uma rede social: “As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”.

Senadores também se manifestaram. Fabiano Contarato (Rede-ES), Alessandro Vieira (Cidadania-SE) disseram que entraram com representação no CNJ sobre o caso. A senadora Simone Tebet (MDB-MS) afirmou em uma rede social que houve “humilhação”. “Advogado e juiz rasgaram lei e desonraram Justiça. MP alegou estupro culposo, tipificação inexistente. Réu absolvido. Cuspida na cara das brasileiras, que exigem respostas”.

Mara Gabrilli (PSDB-SP) escreveu em uma rede social: “Envergonha-me viver em um país onde inventam até crimes para proteger criminosos. Estupro culposo é uma aberração jurídica que só alimenta a impunidade. É a covardia e o machismo prosperando no Brasil dos perversos poderosos”.

Alvaro Dias (Podemos-PR) afirmou que “causou revolta nas redes sociais o julgamento em que o acusado de estupro de uma moça em Santa Catarina foi inocentado sob alegação de que teria cometido um ‘estupro culposo’, uma aberração que sequer existe no ordenamento jurídico. E pior: na audiência, a vítima do estupro foi humilhada, assediada moralmente e tratada pior do que um assassino por um advogado que agiu de forma inescrupulosa, sexista e misógina”.

A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) afirmou em rede social que “As recentes revelações do caso Mari Ferrer mostram o quanto o machismo e a misoginia estão impregnados nas instituições, sobretudo no Judiciário”.

O deputado Paulo Ganime (Novo-RJ) disse que “o caso da Mari Ferrer é uma soma de absurdos. Desde a conduta dos 4 sujeitos presentes na cena que assistimos no vídeo até a sentença que absolveu o réu ‘criando’ a aberração do ‘estupro culposo’. Estupro é estupro. E não existe argumento que justifique tal crime”.

MP e advogado

Em nota, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho disse que “André de Camargo Aranha inocente da acusação de estupro, acatando a alegação final do Ministério Público e a tese da defesa para que fosse julgada improcedente a denúncia contra André Aranha.” Leia a íntegra:

“Não podemos falar muito em respeito ao sigilo do Processo, mas gostaria de esclarecer alguns pontos importantes sobre a matéria publicada pelo The Intercept, que gerou uma onda massiva de comentários equivocados sobre o caso.

O magistrado considerou André de Camargo Aranha inocente da acusação de estupro, acatando a alegação final do Ministério Público e a tese da defesa para que fosse julgada improcedente a denúncia contra André Aranha. Ou seja, os fatos foram completamente esclarecidos após investigação policial e nos autos processuais, os quais constataram que houve uma relação consensual entre duas pessoas e foi atestado que ambos estavam com a sua capacidade cognitiva em perfeito estado, conforme atestam os laudos e confirmam os peritos. É importante ressaltar que o termo utilizado na matéria “estupro culposo” não é uma terminologia jurídica existente, e em nenhum momento foi utilizado pelo magistrado.

O caso foi tratado com a devida legitimidade pelo Ministério Público e prestamos esse esclarecimento visando o combate à desinformação que informações mal interpretadas, descontextualizadas e equivocadas podem gerar”.

Leia a íntegra da nota divulgada pelo Ministério Público de Santa Catarina:

MPSC reafirma que réu foi absolvido por falta de provas por estupro de vulnerável

Não é verdadeira a informação de que o Promotor de Justiça manifestou-se pela absolvição de réu por ter cometido estupro culposo, tipo penal que não existe no ordenamento jurídico brasileiro. Salienta-se, ainda, que o Promotor de Justiça interveio em favor da vítima em outras ocasiões ao longo do ato processual, como forma de cessar a conduta do Advogado, o que não consta do trecho publicizado do vídeo.

A 23ª Promotoria de Justiça da Capital, que atuou no caso, reafirma que combate de forma rigorosa a prática de atos de violência ou abuso sexual, tanto é que ofereceu denúncia criminal em busca da formação de elementos de prova em prol da verdade. Todavia, no caso concreto, após a produção de inúmeras provas, não foi possível a comprovação da prática de crime por parte do acusado.

Cabe ao Ministério Público, na condição de guardião dos direitos e deveres constitucionais, requerer o encaminhamento tecnicamente adequado para aquilo que consta no processo, independentemente da condição de autor ou vítima. Neste caso, a prova dos autos não demonstrou relação sexual sem que uma das partes tivesse o necessário discernimento dos fatos ou capacidade de oferecer resistência, ou, ainda, que a outra parte tivesse conhecimento dessa situação, pressupostos para a configuração de crime.

Portanto, a manifestação pela absolvição do acusado por parte do Promotor de Justiça não foi fundamentada na tese de “estupro culposo”, até porque tal tipo penal inexiste no ordenamento jurídico brasileiro. O réu acabou sendo absolvido na Justiça de primeiro grau por falta de provas de estupro de vulnerável.

O Ministério Público também lamenta a postura do advogado do réu durante a audiência criminal, que não se coaduna com a conduta que se espera dos profissionais do Direito envolvidos em processos tão sensíveis e difíceis às vítimas, e ressalta a importância de a conduta ser devidamente apurada pela OAB pelos seus canais competentes.

Salienta-se, ainda, que o Promotor de Justiça interveio em favor da vítima em outras ocasiões ao longo do ato processual, como forma de cessar a conduta do Advogado, o que não consta do trecho publicizado do vídeo.

O MPSC lamenta a difusão de informações equivocadas, com erros jurídicos graves, que induzem a sociedade a acreditar que em algum momento fosse possível defender a inocência de um réu com base num tipo penal inexistente.

G1 SANTA CATARINA

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